Uma recente decisão da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relatada pelo desembargador Alexandre Victor de Carvalho, trouxe à tona uma complexa discussão: o porte ilegal de arma de fogo é um tema que frequentemente desperta debates no meio jurídico brasileiro, principalmente quando se trata de distinguir entre perigo abstrato e lesividade concreta. O processo envolveu três apelantes condenados por porte ilegal de arma, mas que recorreram, alegando a ausência de risco concreto à incolumidade pública.
A decisão, que contou com voto divergente do desembargador, abordou pontos relevantes sobre a tipicidade da conduta e a interpretação do princípio da lesividade. Saiba mais:
O princípio da lesividade e o porte de arma desmuniciada
O desembargador Alexandre Victor de Carvalho argumentou que, para a configuração do crime de porte ilegal de arma, é necessário comprovar a lesividade concreta da conduta. Segundo ele, a simples posse de uma arma desmuniciada, sem a pronta disponibilidade de munição, não caracteriza o crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/03. Para ele, a ausência de perigo real ao bem jurídico tutelado – a segurança pública – torna a conduta atípica, já que a incriminação por presunção viola o princípio constitucional da legalidade.

Essa posição, fundamentada no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), reflete a ideia de que o Direito Penal deve proteger bens jurídicos efetivamente ameaçados. No caso concreto, as armas encontravam-se desmuniciadas e guardadas na carroceria do veículo, o que, na visão do desembargador, afastaria o risco imediato. Para ele, o princípio da ofensividade impede que se puna condutas inócuas, ainda que formalmente enquadradas na legislação penal.
A divergência na interpretação: crime de perigo abstrato
A decisão proferida por Alexandre Victor de Carvalho foi marcada por um voto divergente em relação ao entendimento majoritário da Câmara. A desembargadora, responsável pelo acórdão, manteve a condenação ao considerar que o crime de porte ilegal de arma, sendo de perigo abstrato, não requer a comprovação de risco concreto. Para ela, basta que o agente possua a arma de fogo em desacordo com a lei, independentemente de estar carregada ou pronta para uso.
O voto do desembargador, no entanto, ressaltou que a punição sem a comprovação do risco efetivo contraria os princípios basilares do Direito Penal moderno. A teoria da lesividade, segundo ele, exige que o dano ou o perigo concreto sejam demonstrados, o que não ocorreu no presente caso. Essa divergência ilustra o desafio de aplicar conceitos teóricos ao cotidiano jurídico, especialmente em temas de ampla repercussão social, como o porte de armas.
A questão das armas brancas: contravenção ou atipicidade?
Outro ponto polêmico da decisão envolveu o porte de facões encontrados com os apelantes. A desembargadora entendeu que a posse desses objetos não se enquadrava como contravenção penal, pois facões são considerados armas impróprias. Alexandre Victor de Carvalho reforçou esse entendimento, afirmando que apenas armas próprias podem configurar a infração do artigo 19 da Lei de Contravenções Penais.
O desembargador destacou que objetos como facões e facas, utilizados para outros fins, não possuem destinação exclusiva de ataque ou defesa, e por isso, não podem ser criminalizados da mesma forma que armas de fogo. Essa interpretação preserva a lógica de que o Direito Penal deve ser usado com parcimônia, evitando punições desproporcionais ou inadequadas.
Em resumo, a decisão envolvendo o porte ilegal de arma e a posse de facões evidencia as complexidades da interpretação jurídica no contexto penal brasileiro. O voto divergente do desembargador Alexandre Victor de Carvalho reforçou a importância do princípio da lesividade, defendendo que a ausência de risco concreto inviabiliza a condenação. Essa discussão segue relevante para o aprimoramento da interpretação jurídica e para a garantia dos direitos fundamentais no contexto penal.
Autor: Monny Steven